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Legado de Flávio Dino faz movimentos negro e indígena vê-lo como aliado no STF

Representantes de entidades criticaram a atuação de Flávio Dino no Ministério da Justiça em 2023, mas expressaram otimismo com sua posse na suprema corte
Imagem mostra Flávio Dino, um homem pardo e de cabelos grisalhos. Ele é o novo ministro do STF.

Foto: Lula Marques

22 de fevereiro de 2024

Os movimentos negro e indígena estão com boas expectativas sobre o mandato de Flávio Dino como ministro no Supremo Tribunal Federal (STF). Ex-governador, ex-senador e, mais recentemente, ex-ministro da Justiça, o político já ocupou as outras duas esferas de poder antes de tomar posse na mais alta corte do Judiciário, nesta quinta-feira (22).

Dino substituirá Rosa Weber, que se aposentou em setembro de 2023 após 12 anos de trabalho no Supremo. Com 55 anos, ele poderá ficar no cargo por 19 anos.

“Ele é defensor histórico das pautas populares e continuará, creio, fortalecendo as nossas pautas de lutas”, diz Rosa Negra Ferreira, coordenadora nacional do Movimento Negro Unificado (MNU).

De um total de onze ministros da Suprema Corte, Dino é o quarto indicado pelo presidente Lula (PT), junto com Cármen Lúcia, nomeada em 2006; Dias Toffoli, nomeado em 2009; e Cristiano Zanin, nomeado no ano passado.

A corte ainda conta com três indicados por Dilma Rousseff (PT): Luiz Fux, nomeado em 2011; Luís Roberto Barroso, nomeado em 2013; e Edson Fachin, nomeado em 2015.

O fato de ele ser o único ministro do STF a se autodeclarar pardo também aumenta a expectativa desses setores sociais sobre seu mandato.

“Ter alguém que se auto identifica como pessoa negra e que, portanto, carrega consigo todo o histórico de luta da população negra, é um passo importante para o reconhecimento dos impactos que determinadas violações de direito têm para essa população”, avalia o jurista Gabriel Sampaio, diretor de litigância e incidência da Conectas Direitos Humanos.

Não há uma expectativa de ruptura em relação a sua antecessora, já que Weber também é lembrada como apoiadora das pautas indígenas e negras.

“Nós esperamos que ele seja tão progressista quanto a Rosa Weber foi”, afirma Dinamam Tuxá, advogado e coordenador nacional da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

A liderança pondera que, “por mais que o Flávio Dino não tenha feito uma grande contribuição para a pauta indígena dentro do Ministério da Justiça”, a APIB acredita que Dino será um “constitucionalista”.

“No Maranhão, por exemplo, vários indígenas trabalharam na gestão dele. Ou seja, ele abriu esse espaço para que os povos indígenas pudessem ocupar e, de fato, executar políticas públicas de indígena para indígena. Então, quando ele assumiu o ministério [da Justiça], nós achávamos que ele ia agilizar os processos de demarcação das terras indígenas, criando uma estrutura mais sólida para que os processos andassem, destravassem. Mas isso não aconteceu”, critica Dinamam.

Movimentos negros

Como sintetizou Rosa, do MNU, “reparação e justiça racial no Brasil é a nossa pauta de número um” no STF. 

Em termos jurídicos, Sampaio enumerou pelo menos três Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) como principais pautas dos movimentos negros no STF, sobre as quais se espera apoio de Flávio Dino.

A primeira é a ADPF 635, que é chamada de “ADPF das favelas”. A ação foi apresentada ao STF pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e por entidades sociais e movimentos de favela solicitando que o governo do Rio de Janeiro elabore um plano para conter as mortes provocadas por policiais nas periferias da região metropolitana do Rio. O relator é o ministro Edson Facchin.

“O ministro [Flávio Dino], pelo seu histórico como gestor público, pode exercer um papel bastante importante nessa área. Nós estamos vivendo um momento em que as autoridades públicas tratam segurança pública com base na vingança institucional. Se esquivam da utilização de câmeras corporais em policiais, sob um argumento inconsistente de que as câmeras poderiam trazer qualquer prejuízo à atuação correta da polícia”, argumenta Sampaio.

Ele também cita a ADPF 347, que concluiu que “há um estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro, responsável pela violação massiva de direitos fundamentais dos presos”. O relator dessa arguição foi o ex-ministro Marco Aurélio, aposentado em 2021.

No início de outubro de 2023, o STF deu prazo de seis meses para que o governo federal elabore um plano de intervenção com diretrizes para reduzir a superlotação dos presídios, o número de presos provisórios e a permanência em regime mais severo ou por tempo superior ao da pena.

“O sistema penitenciário é um tema que aos poucos foi perdendo espaço no debate público. Mas o Brasil continua tendo uma superpopulação carcerária, de novo composta, isso a maioria por pessoas por pessoas negras. Por isso, há uma expectativa de ação do ministro sobre essas violações”, afirma Sampaio.

Sobre ação ele se refere a dar a urgência devida às pautas. “Por exemplo, o estado de coisas inconstitucional do sistema penitenciário foi reconhecido numa decisão do Supremo em 2015, numa decisão cautelar. A decisão definitiva vem em 2023, oito anos depois. Esse tempo, muitas vezes, permite que diversas violações de direito aconteçam”, exemplifica.

Nesse sentido, teme-se pela aprovação de uma alteração da Lei de Execuções Penais que extingue a saída temporária. Na noite de terça-feira (20), o Senado aprovou o texto-base do projeto que extingue a saída temporária de presos em determinados feriados – conhecida como “saidinha”. A matéria segue agora para análise na Câmara dos Deputados.

Esse direito tem o objetivo de promover a ressocialização de detentos em regime semiaberto. “Em um caso como esse, a gente precisa de uma celeridade na manifestação do Supremo sobre a matéria”, afirma Sampaio. 

O terceiro tema de prioridade do movimento negro está relacionado à ADPF 973, renomeada como “ADPF das Vidas Negras”, que trata de forma mais abrangente o racismo estrutural e o racismo institucional nas diversas dimensões – como saúde e segurança alimentar. O relator é Luiz Fux e não houve ainda uma deliberação do tribunal. 

Sobre essa matéria, Sampaio também expõe otimismo. “Especialmente naquilo que toca a violência institucional, o ministro tem uma trajetória de engajamento e de trabalho no sentido de reforçar a responsabilidade do estado diante de violações”.

O diretor da Conectas ainda elenca as ações relacionadas a racismo ambiental e ao racismo climático. “ Esse tema já está no Supremo Tribunal Federal, em diversas ações que envolvem a pauta verde”, menciona Gabriel.

Movimentos indígenas

No movimento indígena, a grande prioridade é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7583 contra a Lei nº 14.701, que defende a tese do marco temporal.

“Entendemos que, tomando decisões sobre essa ação de constitucionalidade, outros processos vão se desenrolar, positivamente ou negativamente”, explica Dinamam. Ou seja, grande parte das ações relacionadas a territórios Xokleng, Yanomami, Guarani-Kaiowá, entre outros, ser resolveria com a decisão definitiva da ADI.

Sobre Flávio Dino, o movimento aposta em sua postura “constitucionalista”. “Ele foi juiz, e na nossa análise do movimento indígena, entendemos que ele é um cara que preza pelo texto constitucional. E o texto constitucional é favorável aos povos indígenas no que tange a tese do marco temporal”, avalia Dinamam.

A liderança também menciona a disputa sobre o uso de terras indígenas para mineração, que também seria resolvida com o avanço da ADI 7583.

“A Lei 14 .071 tenta regulamentar, de alguma forma, atividades econômicas dentro das terras indígenas, mas visando principalmente a atividade minerária. Por isso, queremos antecipar essa discussão nessa ADI. Já colocamos que essa regulamentação é inconstitucional. Nesse ponto, o movimento indígena acredita que também vamos contar com o apoio do ministro no que tange o ponto da mineração”, aposta Dinamam.

  • Camila Rodrigues da Silva

    Jornalista com mestrado em economia e formação em demografia. Editora e repórter, com quase 20 anos de experiência em redações da grande imprensa e de veículos independentes de comunicação. Atuo na cobertura de direitos humanos desde 2012.

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