Na disputa pela Prefeitura do Rio de Janeiro, a deputada estadual se destaca por sua atuação no combate à violência nas favelas e avalia que problemas sociais só serão resolvidos com mais pessoas negras na política
Texto: Aline de Campos | Edição: Nataly Simões | Imagem: Zo Guimarães
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Renata da Silva Souza, nascida e criada no Complexo de Favelas da Maré, aos 38 anos, concorre à Prefeitura do Rio de Janeiro pelo PSOL. Jornalista, a candidata atuou por mais de 15 anos em favelas com comunicação comunitária propondo uma cobertura diferente da mídia tradicional e humanizando casos de violência praticados pelo Estado.
Pós-doutora pela Universidade Federal Fluminense (UFF), em sua tese defendeu o conceito que denominou feminicídio político, que versa sobre a violência sofrida por mulheres negras à frente da política. “A violência política que nós sofremos tem a ver com os embates que colocamos, com as denúncias da máfia no transporte, na saúde, das milícias e de agentes da suposta segurança pública”, conta.
Renata estudou no pré-vestibular comunitário da Maré, onde conheceu Marielle Franco, com quem construiu amizade e parceria nas lutas políticas. Filha de mãe costureira e pai torneiro mecânico, foi a primeira de sua família a ingressar na universidade. Trabalhou com Marcelo Freixo, como assessora, e Marielle, como chefe de gabinete da ex-vereadora.
“O feminicídio político de Marielle abriu, para nós mulheres negras de periferia, um flanco de luta pela ocupação dos espaços de poder combatendo o racismo, a lgbtfobia e essa máquina de moer gente em torno do lucro a qualquer custo que é o capitalismo. Diante da nossa dor reconstruímos a possibilidade de ocupar esse lugar que não nos querem”, afirma a candidata.
O desafio da violência policial no Rio
Em 2006, Renata perdeu uma criança de sua família, a quem considerava como sobrinho, em decorrência de um tiro de fuzil. Renan tinha apenas três anos. Desde então, a jovem que já atuava em defesa da vida fez da pauta da segurança pública sua prioridade.
Feminista, militante de movimentos sociais em prol dos Direitos Humanos, tornou-se em 2018 a primeira mulher negra à presidir a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
“Como a maior parte da população carioca, sobrevivi a política de morte e de militarização. Trago a força dos quilombos urbanos, dos negros, dos favelados, da força da minha mãe, do meu avô, de tanta gente que deseja um mundo melhor, mas tem seus sonhos negados e violentados por uma realidade cruel e por uma política desumana”, destaca.
Também em 2018, fez interlocução entre a relatora sobre execuções sumárias, extrajudiciais e arbitrárias da Organização das Nações Unidas (ONU), Agnès Callamard, e a família de Marcus Vinícius da Silva, assassinado naquele ano por um policial civil.
Em encontros com a comissária interamericana de Direitos Humanos e relatora sobre os direitos das mulheres e afrodescendentes da Organização dos Estados Americanos (OEA), apresentou denúncias e dados sobre a violência.
Sobre seu candidato a vice-prefeito Ibis Pereira, Coronel da reserva da Polícia Militar, Renata conta que ele já fazia parte de sua assessoria e responde àqueles que estranharam: “Termos uma figura como a dele, que se coloca contra a militarização, que pesquisa sobre segurança é importante. Disputamos esse debate ou as vidas negras nunca vão importar”.
De acordo com Renata, a escolha de Pereira possibilita que a esquerda ouse em um campo novo. “Diferente dos Estados Unidos, aqui, quem mata preto, pobre e favelado todos os dias não é um branco, é um preto, pobre fardado”, enfatiza quanto à necessidade de entender a dimensão do racismo na segurança pública do Rio.
Ameaças contra parlamentares negras
Quando eleita deputada estadual, em 2018, Renata sofreu ataques nas redes sociais com ofensas e ameaças, o que considera ter sido um ataque coordenado, pois outras mulheres negras eleitas também foram alvo de violência online à época.
A candidata afirma viver cotidianamente com tentativas de criminalização de sua imagem por ser da favela. “Isso faz parte do racismo estrutural nas instituições brasileiras. São violências simbólicas, mas também ocorre a violência em que o racismo e o machismo se constroem a partir de uma relação física. Sou constantemente intimidada no plenário”, relata.
Racismo político
“Essa cidade nunca teve uma prefeita. Nunca teve uma prefeita preta da periferia. Enquanto a gente achar que preto tem que ser um por vez, a gente não vai resolver os nossos problemas”, destaca sobre este ano o Rio ter duas candidatas negras à prefeitura. A outra é Benedita da Silva, do PT.
Levantamento do jornal O Estado de S. Paulo aponta que mulheres negras somam 4,5% das candidaturas ao Executivo municipal em 2020. Segundo Renata, o pragmatismo político é racista, machista e lgbtfóbico e agir para a afirmação de corpos inferiorizados requer ação coletiva contra os processos de exclusão.
“Não somos massa homogênea, preto não é tudo igual. Chega de ter um em cada espaço, vamos ter que vir de multidão para combater a desigualdade racial”, determina. Como maior sonho a alcançar, diz ser ver todas as pessoas reconhecidas como “gente”: “Por isso e para isso que sou candidata à prefeita”.
Economia no contexto da pandemia
Renata vê a cultura como algo central para o desenvolvimento social e além de pretender incentivar projetos culturais e criar um programa para o primeiro emprego, quer implantar a renda básica carioca, que já é Lei no Rio de Janeiro, mas ainda não foi regulamentada pelo atual prefeito Marcelo Crivella.
“Sabemos que um terço da população da cidade vive nas favelas e segundo pesquisa do IPEA é a mais atingida pela Covid-19. No início de governo vamos trabalhar nessa renda para possibilitar o mínimo de sustento para as pessoas”, promete a candidata, que como deputada estadual criou uma lei que estipula medidas de combate ao novo coronavírus nas favelas do estado.